domingo, 23 de outubro de 2011

Leon Cakoff e o Cinema sem Fim



Fiquei triste com a morte de Leon Cakoff, não apenas por ver chegar ao fim sua enorme contribuição para que pudéssemos ter acesso aos melhores filmes das mais diferentes culturas de todo o mundo...

Com certeza isso já seria suficiente pra justificar um certo sentimento de vazio e nostalgia que pairou sobre mim, mas é muito mais que isso, fiquei pensando que as pessoas que realizam sonhos e se dedicam a alguma coisa com tanta paixão, não poderiam morrer...

Ou pelo menos, só deveriam morrer bem mais tarde, quando não houvesse mais nenhum sonho pra compartilhar...

Foram tantas histórias, tantos filmes que ajudaram a mudar nosso modo de ver o mundo. Eu era uma garota caipira, que nunca tinha vindo pra ‘cidade grande’ e foi pelo cinema que conheci São Paulo, foram os filmes que me capturaram para sempre... foi por meio do cinema que mudei.


As Mostras foram as grandes janelas para o mundo, através delas eu cresci, aprendi mais sobre a vida, chorei, comecei a perceber quanta poesia aquelas imagens derrubavam sobre meu olhar atônito.


Impossível não sentir gratidão e não reconhecer a importância de um trabalho sensível de garimpeiro, que trouxe tanta beleza para os cinéfilos de São Paulo e de tantos outros lugares...


Há muito tempo, outubro é um mês assim, muita gente pede férias nesse período, vem pra São Paulo e fica zanzando por aí, de sala em sala, enfrentando filas imensas... pra depois se emocionar e trocar idéias com os amigos...defender com unhas e dentes um filme, tomar uma cerveja ou quem sabe um café, mesmo que sozinho, num balcão qualquer, na tentativa de elaborar o que se viu em tela grande, no escuro da sala!


Porque cinema é assim mesmo, paixão pura, quase militância, loucura, vício, encantamento... enfim sonho coletivo! Não dá pra ser diferente.


Com a morte de Cakoff morre também um pouquinho do brilho das Mostras de Cinema. Mas, a vida segue, o cinema sem fim continua aí! Leon ajudou a construir uma parte importante dessa história, São Paulo ficou um pouquinho menor, mas o que aprendi até aqui foi extremamente inspirador e continuará alimentando o sonho que realizo na companhia dos filmes de todo o mundo que vejo por aí.... Um ótimo jeito de viajar!

Agradeço ao Cakoff por ter aberto essa porta e indicado um caminho possível na sala escura....






sábado, 15 de outubro de 2011

Meu País



Pode parecer estranho, mas estava com saudades do Rodrigo Santoro, do excelente ator que ele é... e que às v ezes fica meio escondido diante de tantas participações que aceita fazer em filmes de gosto extremamente duvidoso...
Então, lá fui eu assistir Meu País de André Ristum, com Rodrigo Santoro, Débora Falabella, Cauã Reymond e o imbatível Paulo José. Faço questão de citar todos os atores, porque de fato é algo surpreendente.
Paulo José faz uma pequena participação que consegue ser de uma densidade incrível, como sempre ele defende o personagem com unhas e dentes e talvez seja um dos maiores atores brasileiros que merece todo nosso carinho e reconhecimento.


Cauã Reymonds, foi muito além do rostinho bonito. Nunca acreditei que ele fosse se colocar tão bem como ator de cinema, afinal as novelas também abundam na sua carreira global, mas ele esteve brilhante em pelo menos dois filmes como: Estamos Juntos (2011) de Toni Venturi, Se nada mais der Certo (2009) de José Eduardo Belmonte. Em Meu País, ele se sai bem no papel de um garoto irresponsável e mimado, com uma interpretação precisa.
Rodrigo Santoro, felizmente em muito boa forma, faz um personagem sério, centrado, introspectivo e de certo modo angustiado... Uma atuação na medida certa, que emociona por revelar um drama sem ter que falar sobre ele...

Finalmente, Débora Falabella no papel de uma menina com problemas mentais consegue uma interpretação que não cai em estereótipos muito prováveis na situação proposta pelo filme. Enfim, Débora, se supera e delicadamente constrói de modo singelo o perfil da personagem.

O filme é bonito, são três irmãos tentando elaborar suas perdas, emociona pelo entrecruzamento do drama familiar e das questões sociais e políticas que envolvem a problemática de cada personagem. Acho que vale a pena assistir, embora o final, deixe um pouco a desejar....

Os Loucos e Encantadores Náufragos


Impossível não manifestar a emoção que senti novamente ao assistir o espetáculo do théatre du soleil – Os Náufragos da Louca Esperança dirigido por Ariane Mnouchkine também criadora do Grupo em 1964 na França.
Depois de Les Éphémères, encenado em 2007, novamente o impacto foi imenso pra mim, não sei explicar direito, mas a trupe mais uma vez, conseguiu tocar, tão profundamente minha alma.


Trata-se de um teatro visceral, trabalho pesado e colaborativo, atores-operários, loucos sim, que correm, carregam e arrastam cenários, fazem a luz do espetáculo, o som, a música. Com isso, cria-se uma dinâmica deveras impressionante e envolvente. Tudo que sempre esteve nos bastidores vem para o palco, ocupa os espaços e passa a ser alvo do nosso olhar afoito.


O espetáculo transcende, vai além da história que quer contar e acaba contando muitas outras, a de seus artesãos que compartilham esse fazer teatral, com seu suor, seu esforço. E ali convivem o tradicional e o contemporâneo.


Dessa vez, o texto escolhido foi o livro póstumo de Julio Verne - Os Náufragos de Jonathan. A linguagem proposta pelo Grupo, transita entre teatro, dança, literatura e cinema, a magia está toda aí...nesse jogo entre Filme-Teatro-Filme e assim, nosso sonho perdura e passeia durante 3h45 de espetáculo puro.



Enfim, enquanto Les Éphémères com seus cenários girando diante da paltéia, revelava cenas sublimes do cotidiano e com elas toda dor da existência, os náufragos vem nos convidar ao enfrentamento, em busca de um mundo melhor e justo, onde seja possível confiar nos homens... e principalmente um mundo que nos permita sonhar e ser alegre!

Conhecer o trabalho da cia Théâtre du Soleil pode ser uma oportunidade única e transformadora!!!

domingo, 2 de outubro de 2011

A árvore da vida - Ame-o ou Deixe-o



Uma parte do público gostou de Árvore da Vida, principalmente os seguidores de Terrence Malick, um diretor Cult tem sido bastante difundida. Quanto a mim, considerei o filme extremamente pretensioso e repleto de tentativas frustradas que são descaradamente despejadas sobre o expectador de maneira óbvia, diria até que menosprezando a capacidade do público de compreender o subtexto....

Ao contrário disso, tenho gostado cada vez mais do cinema simples, que consegue discutir suas idéias sem grandes malabarismos, talvez o desafio maior para um cineasta...

A árvore da vida não alcança seu propósito, se é que há algum. O filme todo parece uma grande jogada de marketing a começar pelo elenco: Brad Pitt e Sean Pean, a impressão que fica é que lançou-se mão de grandes nomes do cinema americano com a clara intenção de vender o produto ou na pior das hipóteses, iludir o espectador. Não quero com isso diminuir a competência dos atores, o que seria ridículo. Devo reconhecer que Brad Pitt está impecável no papel do pai autoritário, cheio de recalques, que oprime a família de modo violento. Já Sean Penn faz um papel no mínimo medíocre, muito aquém das suas possibilidades.

As crianças de Árvore da Vida estão estupendas, super bem dirigidas e absolutamente expressivas e sensíveis, talvez o melhor que o filme pode oferecer ao público. Me fez pensar no A Fita Branca - Michael Haneke

No mais, Malick não economiza nas imagens de vulcões, dinossauros (a moda Spilberg), entranhas do corpo humano, passando pela vida marinha, planetas diversos, os quatro elementos ... tudo isso pra explicar o conflito nas relações familiares. E por aí vamos vagando nos 138 minutos que dura essa aventura metafórica que de fato não parece levar à lugar nenhum....

O fato é que os meios de comunicação e a crítica não informam o público sobre a natureza dos filmes, de forma clara e suficiente, então, temos a sinopse de árvore da vida diz: ‘Sobre a vida de uma família nos anos 50’. Parece muito pouco pra orientar a ida de qualquer um de nós ao cinema...

Sugiro também o filme Sonho de amor. O título é totalmente infeliz e quem for ao cinema para ver um filme água com açúcar como aqueles protagonizados por Júlia Roberts vai perder a viagem. Trata-se de um ‘filmaço’, denso, sério, sem melodramas, atores esplêndidos, muito ao contrário do que parece indicar o título. A crítica também parece não ter comunicado nada sobre isso.



'Transeunte' somos todos nós!


Acredito que Eryk Rocha será um dos diretores mais lembrado por ter reinventar o cinema brasileiro. Seus filmes são sempre extremamente surpreendentes, tanto na forma quanto no conteúdo.

Dirigiu o premiado documentário de longa-metragem "Rocha que Voa" (2002) que traça um panorama político-ideológico sobre a América Latina a partir de relatos de seu pai Glauber Rocha que viveu em Cuba.


Eryk trabalhou com diferentes suportes, do digital ao super 8 passando pela película 16mm e pelo vídeo. Cada um desses suportes está absolutamente afinado com o projeto, cada uma destas escolhas está a serviço do objetivo a ser alcançado. Forma e conteúdo completamente articulados, nada está no filme por acaso.

A Película 16mm utilizada no filme foi encontrada pela equipe de filmagem no sótão abandonado de uma repartição, estavam vencidas há muitos anos ( 1976 e 1985) fato esse mais do revelar a passagem do tempo e a volta a um passado distante, desperta questões sobre a memória de um certo fazer cinematográfico e sobre a memória de quem não viveu a história.
A coloração esverdeada, granulada e esmaecida que vemos em alguns momentos do filme, somadas ao preto e branco e o forte contraste entre luz e sombras, retransmite a idéia de certo envelhecimento, um passado, promovido por um material que organicamente se articula a forma que o filme quer ter e seu conteúdo. É um filme orgânico no sentido ético e estético.
A montagem em Rocha que Voa e em todos os filmes do diretor procura valorizar a pesquisa, sua busca pessoal e seu esforço por traduzir seu olhar sobre os temas que aborda, encontrando assim, outras formas de representação social em filmes de não ficção.

Em 2009 lançou o documentário “Pachamama”, “que significa para os indígenas andinos “mãe-terra” e designa a deusa agrária dos camponeses – narra a viagem do diretor pela floresta brasileira em direção ao Peru e à Bolívia, onde encontra a realidade de povos historicamente excluídos do processo político de seus países e que pela primeira vez na história buscam uma participação efetiva na construção do seu próprio destino”. Trata-se de mais um filme sensível, no formato road-movie que nos leva a viajar “pela realidade amazônica e andina, que revela um continente em ebulição, perpassado pela cultura milenar andina, que irradia pelo continente sul americano substancia primordial na constituição de novos paradigmas políticos.”

Impossível não lembrar do Viajo porquê preciso, volto porquê te amo de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz que subverte o formato, trazendo um protagonista ausente fisicamente e co m narração em off.

Agora, Eryk nos presenteia com seu primeiro filme de ficção e novamente, procura inovar e criar outras possibilidades cinematográficas de contar uma história com bem poucas palavras, de modo original, rompendo com os estereótipos das narrativas tão presentes no cinema. Novamente Erik investiu na música, na poesia, no eterno preto e branco e mais interessante ainda, abriu uma seleção de atores na internet para compor o elenco do filme, O protagonista interpretado pelo veterano Fernando Bezerra, ator de teatro e cinema está definitivamente maravilhoso no papel do aposentado Expedito e prêmio de melhor ator no Festival de Brasília.
O filme é sobre um aposentado de 65 anos, extremamente solitário sem esposa, filhos e amigos, um homem absolutamente introspectivo, cuja vida se resume às andanças pelas ruas e bares do Rio de Janeiro. Passa grande parte do tempo apenas ouvindo seu rádio, o eterno companheiro. Expedito assume sua condição de peregrino que observa, que olha e vê a vida com olhos de descoberta e nostalgia.
Fomos então brindados com um filme que inaugura a ficção na obra do diretor e só nos resta desejar vida longa à Erik Rocha e a construção de uma certa cinematografia brasileira..