terça-feira, 26 de abril de 2011

A VOZ INDIGNADA DA POESIA


“Estou armado, talvez seja preso por porte ilegal de inteligência, e passe a vida inteira em prisão aberta, pagando uma grande pena e vendo um país ir pro buraco.”
(Cronista de um tempo ruim. F)

Estive acompanhando a Programação Estante Viva do Sesc Belenzinho. Uma idéia muito bacana de trazer escritores consagrados da literatura brasileira para conversar com o público sobre os livros que marcaram sua trajetória.
Tive o prazer de ouvir as histórias do escritor Ferréz (1975), com certeza um dos autores mais reconhecidos da ‘literatura marginal’. É autor de Capão Pecado (1999), responsável pelo lançamento do Selo Povo para escritores independentes e criador da loja 1 Da Sul no Centro, uma marca voltada para a periferia, com produtos desenvolvidos por talentos urbanos, o que contribui para criar uma identidade própria da comunidade.
Além disso, Ferréz é também fundador da ONG Interferência em parceria com a Casa do Zezinho. O projeto situa-se no Jardim Comercial, bairro pertencente ao Capão Redondo, seu objetivo é contribuir para a mudança do Jardim Comercial, promovendo ações culturais e com isso uma maior qualidade de vida para toda aquela comunidade, a começar pelas crianças.
O escritor nasceu, cresceu e ainda vive em Capão Redondo, periferia da zona sul de São Paulo, fator esse que marcou seu percurso literário de forma contundente.
Sem dúvida, uma pessoa extremamente sensível, que em contato com as atrocidades sociais formou um pensamento crítico que não quis guardar apenas para si, escolheu compartilhar, plantar sementes, questionar e optou por continuar vivendo ao lado dos ‘manos’ e colaborar com a comunidade no afã de construir coletivamente uma sociedade mais justa.
Há toda uma coerência em sua fala, um jeito especial de tomar a palavra e lhe dar forma, usar a palavra escrita para se fazer ouvir e denunciar as injustiças.
Aliás, o que seria da palavra se ela não fosse falada, se não pudesse se transformar num brado cujo sentido fosse libertar o grito da garganta, de que adianta a poesia fria ensinada nas escolas, se ela não vibra na voz do poeta.
Para gostar de poesia é preciso entender o que ela sabe sobre nós mesmos, e isso se dá pela palavra falada e sentida. É na articulação entre a palavra escrita e falada que o poema existe como expressão da gente, do povo... é quando de fato escutamos nossa própria voz.
E assim, tivemos a oportunidade de conhecer os percalços do jovem escritor, digo ‘percalços’ porquê não deve ser fácil bancar determinadas escolhas em condições que muitas vezes são adversas ao sonho. Mas Ferréz conseguiu alçar vôo, tirar os pés do chão sem abandonar o território, e assim, realizar uma leitura possível sobre a dura realidade.
Ele não desistiu, ao contrário, continua provocando os manos, procura ser uma referência possível, um cara com vontade de aprender, que soube empreender um esforço incrível na busca por outros sentidos.
A literatura foi a ferramenta primordial. O extremo respeito pela palavra escrita foi o caminho sem volta. Comprar livros no Sebo, qualquer um servia, mas tinha que custar R$ 1,00, de modo que o que poderia ser impedimento, tornou-se a possibilidade de uma existência digna e criativa. E ler, ler e reler, sem parar, procurar entender, articular e formular pensamentos e idéias de modo coerente.
Foi assim que encontramos um escritor extremamente lúcido, com sangue nas veias, que acredita no que fala e escreve, que mantém uma preocupação ética, imprescindível aos que querem invadir as cabeças, provocar novos pensamentos, sem recusar o valor da sua própria história, e principalmente, de modo a semear a mudança em busca da justiça social.
Para quem quiser conhecer mais, sugiro visitar os seguintes endereços:

O Blog: http://ferrez.blogspot.com/
O site: http://www.ferrez.com.br/
A loja: http://www.1dasul.com.br/site/1dasul
A ONG: http://www.casadozezinho.org.br/casa_zezinho.php?ca=133

terça-feira, 19 de abril de 2011

A Passagem do Tempo

Participamos de uma festa singela. Emoção, beleza, religiosidade! Foi aniversário de 90 anos da Dona Olívia. Esposa do Seo Bento, mãe de Vilma, Valdir, Neuza, Lia, Sérgio, Tonho, Leni e minha melhor amiga, tão querida, Lidia.
Fiquei pensando na história de cada um de nós, pensei na minha própria história. Como a vida é fugaz, como é dura a velhice. Mas mesmo assim, tentei imaginar a história da Dona Olívia até ali.
Muito trabalho doméstico, muito afeto, a árdua criação dos filhos que ela adora, e por fim a sedução de todos que de algum modo, compartilharam seu afetuoso cotidiano.
Como será que uma pessoa se sente ao completar 90 anos? Dona Olívia adora festa, ela é a estrela, ela canta, dança e toca gaita. Minha mãe (71 anos), ao que parece, se sentiu uma garota e segura pegou no braço da Dona Olívia pra conduzi-la... Olha só!
Bonito de ver! Pensei: será que chegaremos lá? talvez não, nossa qualidade de vida é tão frágil! Valorizamos coisas tão fugazes... Dona Olívia até hoje quer cuidar das suas galinhas, quase poesia do Rosa. Outro jeito de viver, acreditar que a alegria está nas pequenas coisas e que o sentido da vida está na simplicidade. Ela não pode parar, quer regar as plantas, lavar o quintal, fazer o almoço e o cafezinho pra depois.
Coragem, determinação e vontade de viver. Me fez lembrar da avó camponesa de Saramago que disse: “ A vida é tão bonita, me dá uma pena morrer...”
Que feliz eu estava por compartilhar esse momento, seria muito triste não estar lá e perder a chance de me emocionar e aprender com a fé da Dona Olívia, seus filhos e o altivo Sr Bento.
Além disso, teve também o imprescindível profano, em pleno acordo com a sagrada existência da família querida. Música, alegria, violão, os netos, os amigos, a cerveja, os bolos com rosa lilás, sim, os bolos, porque afinal, também comemoramos os 91 anos do velho Bento que não se furtou a beijar sua amada esposa.
Fiquei imaginando que a vida não é um rascunho que agente passa a limpo depois. A vida é uma só, é aqui e agora! Pra que complicar? Porquê não aprender com o casal Bento a importância das coisas simples, do almoço em família, da fé, e da beleza do cotidiano, lembrei da história do carroceiro que vende fiado milhares de bananas para Dona Olívia, que não aceita comprar frutas de mais ninguém, quase levando à falência todos os filhos.
Todo o mundo quer almoçar, cantar e dançar na casa da Dona Olívia, coração de mãe mesmo! Sempre cabe mais um, mais um e mais mil. Então, desejo vida longa ao casal! Afinal, ainda temos muito pra aprender e melhorar...
Lembrei do poema de Maiakovski musicado por Caetano Veloso e deixo aqui essa homenagem à mãe Olívia e ao pai Antonio Bento.


Ressuscita-me
Para que a partir de hoje
A família se transforme
E o pai
Seja pelo menos o universo
E a mãe
Seja no mínimo a terra...

domingo, 10 de abril de 2011

Riscado – Um filme honesto!

Fui assistir o filme Riscado de Gustavo Pizzi na abertura do festival de melhores filmes 2010 no Cine SESC.

Grata surpresa, um filme incrível, cheio de energia e frescor, conta a história de uma atriz, Bianca que ganha a vida fazendo bicos em eventos, inaugurações promoções e ainda interpretando atrizes como Marilin Monroe em festas de aniversários e coisas assim.

A ótima atriz Karine Teles surpreende pela expressividade, competência e total entrega a sua personagem Bianca que vive angustiada pois reconhece seu talento e gostaria de fazer um filme sério, um trabalho de verdade, com um personagem a ser construído.

Talvez por ironia ou destino, ela própria se torna matéria prima de um filme. Ou seja, ela com sua história de vida, com seus enfrentamentos, como personagem dela mesma, é convidada a representar seu próprio papel.

Com isso, o filme levanta uma questão recorrente, sobre como somos intérpretes de múltiplos papéis na vida, e sobre como criamos a cada dia novos papéis e personagens . Riscado é um filme sobre o sonho, sobre estar na vida intensamente e lutar até o fim pra conseguir alcançar algo em que se acredita ou que faça a vida ter sentido.

Gustavo Pizzi também diretor do documentário Pretérito Perfeito (2006), sobre a Casa Rosa que foi um prostíbulo muito famoso no Rio de Janeiro do século XX, trabalha aqui uma ficção que parece propor um certo hibridismo. Utiliza diferentes suportes como o digital e 16mm que funcionam como recurso para ilustrar uma transição entre passado e presente, ficção e realidade, verdade e ilusão, sendo que em 16mm vemos a representação que a personagem faz de si mesma em diferentes situações.

O filme tem uma dinâmica incrível. Bianca consegue seduzir e arrastar o espectador com ela para compartilhar a ansiedade e a dúvida em relação ao seu próprio futuro.

Cópia Fiel – Ficção ou Realidade?

Cópia Fiel é o mais recente filme de Abbas Kiarostami rodado fora do Irã. Embora seja um filme universal, é possível perceber características do cinema de Kiarostami em cada detalhe, no cuidado, na singeleza e principalmente na questão temporal, o tempo da existência, o tempo particular de cada um para viver uma história.
Trata-se do relacionamento entre um escritor inglês James Miller, interpretado pelo ator de óperas e barítono William Shimmell e uma mulher francesa dona de uma galeria de arte, interpretada pela espetacular Juliette Binoche que emociona pela entrega e competência com a qual abraça a personagem criando uma verdade emotiva que envolve toda a história.
Acho que vale chamar atenção para a pequena e singela participação da criança que interpreta o filho de Elle (Binoche) logo no início do filme, que embora muito pontual, abre as portas da incerteza e da dúvida que se construirão ao longo do filme.
A história se passa num vilarejo da Toscana, um lugar lindo que acolhe os personagens no seu fantástico jogo sentimental que coloca os espectadores em dúvida do começo ao fim. O filme é falado em francês, inglês e italiano, fator esse que indica a escolha de Kiarostami pela Itália como um possível lugar do encontro e das diferenças.
A ‘cópia’ como tema sugerido relaciona-se às reproduções de obras de arte, mas funciona no filme como metáfora para a questão dos relacionamentos. Além disso, coloca em dúvida o verdadeiro sentido da vida, aquilo que mais valorizamos, a questão da originalidade vista como realidade e o filme transita por esses pólos, a cópia, o original, a verdade, a mentira, a ficção e a invenção na vida.
O que está em questão é a necessidade que sentimos em definir cartesianamente o que é ficção e realidade, não podemos viver sem isso, acreditamos que as respostas estão em algum lugar num desses pólos, e qualquer coisa fora disso nos aflige! Mas para Kiarostami isso não importa, o que deve prevalecer é a atualidade dos sentimentos confusos e ambíguos que o filme provoca.
Cópia Fiel exige do espectador o despojamento da vida lá fora, nos obriga a fechar a porta das pequenas coisas cotidianas e nos entregarmos a história que se revela na sala escura, como num sonho, nos deixarmos levar e sentir... Mas o público pode perder essa nuance se continuar preocupado em desvendar o mistério...
Talvez por isso mesmo, não seja um filme tão fácil de fruir como deve ser... Como sempre Kiarostami nos desafia e repete a boa e velha lição, olhar para as pequenas coisas, perceber os detalhes, aprender a ouvir, e principalmente romper com a linearidade da vida, encarar as dúvidas, fugir aos estereótipos que destroem nossa sensibilidade.
Cópia Fiel precisa ser visto mais de uma vez, porque ainda somos uma sociedade embrutecida e embotada que não se permite tão facilmente viver a experiência da delicadeza, da beleza e do sonho proposta por Kiarostami em toda sua cinematografia.


Cópia Fiel (Copie Conforme). Direção: Abbas Kiarostami. Gênero: Drama (França-Itália-Irã/ 2011, 106 minutos).

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Uma Virada Cultural muito especial

Resolvi trazer para esse espaço virtual um pouco das minhas impressões e sentimentos em relação àquilo que podemos talvez denominar como uma Virada Cultural bem original.
Claro que o começo de tudo tinha que ser com nosso amigo Marquinho dando a levada, como de costume. Cinco pessoas apertadas no carro da Lídia tendo que ainda por cima pegar o cara no metrô, o que na verdade prejudicaria ainda mais nosso conforto durante o trajeto. Paciência!
Tudo aconteceu na casa dos nossos queridos ‘doces bárbaros’ Edu e Ric, dupla dinâmica imbatível, e a conversa rolando solta, impagável...
Os encontros por lá são sempre assim. Uma verdadeira e completa diversidade em todos os sentidos...Um à vontade completo, tem pra todos os gostos, todo mundo já chega abrindo a geladeira, sabe como é?
Nada de pudores, nenhum sentimento de invasão do espaço, ao contrário, a casa é realmente nossa e não apenas a cozinha que é onde tudo acontece, mas quartos, sala, quintal, varanda e tudo o mais, acabam sendo descaradamente invadidos por um bando de aloprados que somos todos nós.
Tem também o Zequinha e a Cindy, o casal de cachorrinhos yorkshire que são umas gracinhas, ternura total, todo mundo quer pegar, apertar, beijar e inclusive levar pra casa...para desespero dos donos!
Fiquei feliz por encontrar o Barão e a Débora que deixaram o Guilherme dormindo e assim, depois de tanto tempo revi o casal que pra mim dava uma ótima tirinha de jornal. Uma não, mas várias, coisas do Angeli ou do Laerte... Eles são realmente figurinhas carimbadas, ‘rebordosa’ até não mais poder...
Adoro a cerveja de latinha, qualquer uma, em copo de requeijão, sem frescura, mas bem gelada. A caipirinha de saquê, de cachaça e um gole de vinho que alguém trouxe. As comidinhas, são aquelas que só os meninos sabem preparar, coisinhas como sardela e o velho pãozinho francês que acompanha a maravilhosa berinjela muito temperada.
Além disso, numa festa tão ogra assim, não podia faltar muito amendoim e batata frita, e assim atravessamos a noite de sábado, cada um numa viagem particular, só alegria e como diria minha mãe: rimos ‘às bandeiras despregadas’, pra lá e pra cá!
Como não podia deixar de ser, teve também a sublime poesia, Manuel Bandeira e Sérgio Vaz, e mais uma vez, festejamos a diversidade, a nossa e a dos poetas...
A música rolava solta, jovem guarda, blues, não sei direito o que era, na verdade, uma zona!!! Difícil distinguir, mas sei que rolou um frevo com a Lidinha e nossa mais recente aquisição, o lindo Manoel dando um show a parte, e lá em baixo apenas um banquinho e violão, dois pandeiros tresloucados e o nosso imperdível maracatu atômico acústico, se é que isso é possível.
Bom, ali tudo era possível... Desde o aquecimento das vozes, conduzido pelo Edu, pra conseguirmos cantar mais bonito... E cantamos, não sei se bem, mas felizes, divertidos e rindo de nós mesmos, por causa daquela amnésia que não deixa lembrar as letras das canções de jeito nenhum, mas tudo bem, fomos de lá, lá, lá, lá....
Entre muito blá, blá, blá e gritaria, cervejas, dança e cantoria o tempo vai correndo e eis que surge então o prato principal da festa, o famoso, delicioso e incrivelmente saboroso ‘guioza’, finalmente uma comidinha zen pra não dizer que a loucura é total e talvez pra ver se o povo se fecha, se concentra e eleva o espírito.
Ótimo, foi então que a turma, cada um com seu devido hashi na mão, tentou equilibrar os ‘bolinhos’ até desistir e lançar mão do bom e velho guardanapo de papel mesmo... não tem problema, não faz mal, o importante é ser feliz e fomos...muito!
Adoro a ‘equipe’ da Munganga Pictures, pela competência com a qual realiza seu trabalho, sem pedir nada em troca, nem grandes cachês, se contentando apenas com a alegria de todos nós, os não atores que aliás, diga-se de passagem, somos realmente responsáveis pelas melhores performances registradas pela produtora de araque...
Enfim, essa foi nossa virada cultural, mais maluca do que qualquer outra, muitos palcos, muitos cantores, dançarinos, poetas, tudo isso regado à muita cerveja e ‘otras bebidinhas más!’
E pra fechar a festa com chave de ouro, ainda levei um pratinho de bolo pra mamãe, que comentou algo assim: ‘Nossa que engraçado! Um bolo tão maravilhoso feito por um homem, normalmente são as mulheres que se saem bem na cozinha!'
Bom, tudo isso, só pra dizer que amo esses encontros descontraídos, sem frescuras, uma ode aos bem vividos 20 anos de amizade, amo toda a nossa intimidade e o carinho que sentimos uns pelos outros, amo a simplicidade, a espontaneidade e o desbunde que se repete a cada festa.
Adoro o jeito caseiro e atrapalhado do Edu que sempre nos ataca com seu super, mega bolo de aniversário, que já se tornou um clássico para a turma.
E não importa que eu tenha que ter lavado a louça lá pelas 4h da matina... Afinal foi um jeito de realmente inaugurar a pia nova e deixar uma singela colaboração que jamais vai conseguir retribuir essa delícia que vocês, ‘doces bárbaros’ nos proporcionam!
Beijos e amor!


sexta-feira, 1 de abril de 2011

Filhos, melhor não tê-los? Ou Feliz por minha mãe estar viva!

O ótimo filme francês Feliz por minha mãe estar viva é um soco na boca do estômago, fala sobre a relação entre pais e filhos, um filme extremamente masculino. Três filhos homens, um pai ausente, um marido que abandona sua família, um pai doente demais para exercer esse papel e pra fechar, um filme dirigido por pai e filho (Claude Miller e Nathan Miller).
No meio disso tudo, há uma mulher adolescente, o pivô de todos os problemas, que afinal parece tão vulnerável quanto uma criança perdida.

Um toque de psicanálise ajuda a entender as relações complexas que se estabelecem. Questões como a adoção de irmãos, a preferência dos pais por um ou outro filho, o abandono e a impossibilidade de elaborar uma história, um passado vão se desenrolando sob o nosso olhar. A angústia dos personagens é imensa, a tensão presente do começo ao fim nos faz apertar o braço da cadeira.
Nesse tempo de juventudes perdidas, vemos a mais provável e brutal manifestação de um Édipo com todo sofrimento que isso pode envolver.
Só tristeza e dor. As crianças, os pequenos atores, são simplesmente espetaculares. Sensibilidade e espontaneidade na interpretação dos papéis, uma delícia de ver. A atriz que interpreta a mãe, confusa, despreparada, arrependida, é também extremamente assertiva, impecável, irritantemente fria, dura, também não consegue entender o que aconteceu. Trata-se de um ser humano perdido num mundo que ela própria não sabe qual é... e é essa dúvida existencial que prevalece e põe tudo a perder, quando não há o lugar da reflexão, da crítica, do perdão...
O filme mostra a passagem do tempo, o crescimento das crianças, dois irmãos que sofrem com a ausência da mãe que os deixa tão sozinhos, o irmão maior, sem saber, cumpre a função materna imprescindível para o pequeno, esbanjam afeto, aquele mesmo recusado pelos adultos.
As crianças crescem, de algum modo nos dizem que não é tão simples assim ser adotado, mesmo que seja por uma família legal. É preciso sobretudo entender e elaborar o abandono, aquilo que vem antes de tudo, que justifica o ato de acolhimento que significa a adoção. Mas o antes tem que ser melhor decifrado, para que o afeto do outro possa ser aceito.
Nesse sentido o filme fala da dor de existir, do contexto em que nascem os filhos, do quanto é difícil tê-los, das difíceis relações familiares, dos conflitos, das dores, da solidão dos homens.