segunda-feira, 21 de março de 2011

“As Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha”



Sempre gostei do Xico Sá, não que eu seja conhecedora profunda de seus escritos, não havia ainda lido nenhum livro dele, mas acompanho suas idéias nos artigos e crônicas no jornal e principalmente no programa Cartão Verde que adoro, pois além das boas risadas provocadas pelo dito cujo, acompanhado do maravilhoso Dr Sócrates, consigo aprender alguma coisa de futebol, essa matéria tão familiar, apaixonante e ao mesmo tempo estranha pra mim...

Tudo ia caminhando assim, até o fatídico momento em que meu companheiro me presenteou com o livro XABADABADÁ do citado Xico Sá.
Bom, com esse nome, foi fácil imaginar que o conteúdo não devia ser nada ortodoxo. O formato também não é convencional, um livrinho quadrado, capa vermelha repleto de imagens incríveis do mestre da ilustração, Benício, que nos anos 70 produziu mais de 300 cartazes de cinema, entre eles, Dona Flor e seus Dois Maridos e A Super Fêmea. No livro as ilustrações são simplesmente magníficas, hilárias, que remetem aos livros de ação sobre espionagem russa que eu lia na adolescência, com aquelas bonitonas poderosas que resolviam todas as paradas... Engraçado lembrar disso!
Na verdade, o livro nada mais é do que uma compilação de textos do Xico, coisa de louco, mistura daquela boa e velha malandragem dos machos perdidos, com a arte do discurso sedutor, daquele que sabe o que elas querem ouvir, em outras palavras o talento da retórica que denomino aqui de lero-lero.
Xico Sá é um cronista da vida cotidiana urbana, realmente uma paixão, feinho, baixinho, mas que toda mulher adoraria conhecer, o humor abundante e uma cafajestagem honesta, que não tem vergonha de se assumir.
No livro, os textos estão organizados de modo a criar uma unidade, uma coerência e a ambiência necessária ao tema proposto, ou seja, a antiga e conflitante relação entre machos e fêmeas, é isso!
Lá em cima, falei do momento fatídico em que ganhei o livro, digo fatídico, porquê depois de tê-lo lido, jamais serei a mesma, chorei e sorri com Xico Sá, me identifiquei, me reconheci em muitas passagens, me envergonhei por ter tantas vezes agido de modo impensado, me reconheci nas mulheres de Xico Sá.
O autor provoca (talvez sem saber) um novo modo ver e entender as relações entre gêneros. Pensei nas mulheres e em como nos colocamos como vítimas dos machos, mas será que é isso mesmo?
Fiquei pensando nos machos realmente tão perdidos diante das fêmeas que se acham e que talvez atrás de um texto como esse, aparentemente tão cafona e ao mesmo tempo romântico, possa haver alguma compreensão sobre a tão falada alma feminina, suas fragilidades e dificuldades nas relações... é bastante coisa pra pensar.
Não sei o quanto o autor sabe sobre o impacto de seus textos sobre o imaginário feminino. Comigo foi assim, fiquei com vontade de repensar tudo, “eu, você, nós dois, rodando na vitrola sem parar”, a vida, os amores, as paixões e os sonhos nesse “mundão véio sem portêra.”
É isso aí! Dá-lhe Xico Sá e segue um conselho aos machos perdidos: Pensem bem antes de presentear as namoradas com o texto ‘matador’ de Xico Sá, realmente pode não ser um bom negócio!


Chabadabadá – Aventuras e Desventuras do macho perdido e da fêmea que se acha. Record, 2010.

Lope de Vega ou Entre duas Paixões

Talvez o filme Lope de Andrucha Waddington pudesse ser muito mais. Eu confesso que não conhecia o poeta e o cinema reafirma mais uma vez que além de nos levar aos lugares mais distantes e incríveis, aos tempos mais remotos, também nos ajuda a ampliar os horizontes culturais, no entrecruzamento de linguagens artísticas como nesse caso, a literatura, a poesia espanhola do final do século XVI e a história como pano de fundo.

Digo que o filme poderia ser mais, porquê de qualquer modo parece ter faltado certa energia aos atores e principalmente ao protagonista, o poeta.
O filme conta a história de Lope, um ícone fundamental da literatura espanhola da época, um gênio precoce, um homem forte, apaixonado pela poesia, pelo teatro, pelas mulheres, pela vida afinal...
Nesse sentido, o filme pecou, talvez pelo excesso de zelo e correção técnica, em detrimento da direção de atores, que acabou por conter demais a expressão dramática dos atores, deixando o filme um pouco frio.
A luz do filme é linda! Contribui totalmente para a ambiência proposta, a música bem colocada, sem exagero pareceu perfeita. As duas atrizes que protagonizam o romance com o charmoso e viril poeta convencem, mas sem dar asas a paixão desenfreada, ou seja, não são lá muito calorosas, quanto a história parecia pedir... O ator argentino Alberto Amman que interpreta o poeta se desempenha bem, ainda que o resultado tenha parecido um pouco tímido. A grande surpresa e que deixa um gostinho de quero mais, é a rápida participação de Sônia Braga como mãe do poeta, maravilhosa, interpretando uma velha matriarca que lamentamos por vê-la morrer logo no início do filme, em contrapartida, temos Selton Melo num papel pontual, quase insignificante, muito inferior ao que o ator poderia desenvolver, infelizmente!

Lope de La Vega viveu no mesmo período histórico que Cervantes, outro gênio da literatura, é inevitável, o filme transcorre em clima de romance de cavalaria, tão comum nesse período, me fez relembrar o Dom Quixote, outro louco, apaixonado e sonhador.
Ao final, a música de Jorge Drexler acrescenta mais poesia ao filme e concluo que Andrucha se saiu bem, afinal, trata-se de uma grande produção, resultado de uma pesquisa cuidadosa. Lope contribui com a cinematografia, se não pela grandiosidade das interpretações, por ter trazido a tona o singular poeta espanhol, das grandes paixões!


Lope. 2010. Brasil-Espanha. Direção: Andrucha Waddington. Duração: 106min.Drama. Elenco: Alberto Ammann, Leonor Watling, Sonia Braga, Selton Mello

domingo, 13 de março de 2011

Um Canto Sagrado

Foi com enorme prazer que assisti nesse final de semana o show de Virginia Rodrigues acompanhada do também baiano e exímio violonista Alex Mesquita no SESC Belenzinho.
Estava com saudades, já fazia algum tempo que não tinha notícias da belíssima voz. Sim, porque Virgínia é toda voz! Do começo ao fim, um culto à música, o canto sagrado que se impõe no tempo e no espaço. Tudo se transforma em eternidade.
Desde que a vi há uns quatro anos atrás, parece que ela não se cansou de aprimorar seu trabalho. O repertório eclético mas totalmente coerente foi repleto dos inesquecíveis Afro-sambas que gravou no seu CD Mares Profundos (2003), carregados da doce lembrança dos grandes e inesquecíveis Baden Powell e Vinicius de Moraes. Cantou canções como Todo Sentimento de Chico Buarque, ousou com Amor, meu Grande amor de Angela Rô Rô (num belo arranjo), Antonico de Ismael Silva, numa interpretação imbatível, entre outras pérolas. Para fechar com chave de ouro, finalizou com nada mais, nada menos que Alguém Cantando de Caetano Veloso, canção bastante significativa no roteiro do show, principalmente se lembrarmos que foi ele, um dos primeiros artistas a reconhecer o imenso talento de Virgínia Rodrigues, tendo incentivado a produção do seu primeiro CD.
Ouvir Virgínia Rodrigues significa se entregar ao ritual, com emoção, se deixar levar, corpo e alma pela sonoridade única que se materializa no palco em forma de canção.
Virgínia é quase uma entidade. Faz transbordar sobre a platéia uma religiosidade há tanto tempo perdida. Emoção pura! A relação mais íntima entre o profano e o sagrado. E é assim que gostaria de preservar essa voz sublime ecoando dentro de mim...                                                                                         

Alguém cantando longe daqui
Alguém cantando longe, longe                        
Alguém cantando muito
Alguém cantando bem
Alguém cantando é bom de se ouvir
Alguém cantando alguma canção
A voz de alguém nessa imensidão                                               
A voz de alguém que canta              
A voz de um certo alguém
Que canta como que pra ninguém
A voz de alguém quando vem do coração
De quem mantém toda a pureza
Da natureza
Onde não há pecado nem perdão.
(Caetano Veloso)

segunda-feira, 7 de março de 2011

A Poesia redentora de Lee Chang-Dong


Poesia é um filme sul-coreano de rara beleza. Mija é uma linda senhora com mais de 60 anos que cuida do neto de 14 anos aproximadamente. Mas o que realmente encanta é que Mija tem um olhar muito especial para as coisas simples da vida. Ou seja, sexagenária, começa a sofrer lapsos de memória, então, quase numa relação de causa e efeito, decide inscrever-se num curso de poesia, talvez pra ficar um pouco mais perto das palavras que tanto ama.

A personagem enfrenta algumas questões complicadas como a incomunicabilidade que marca sua relação com o neto e com sua filha, que ao divorciar-se foi embora da cidade e quase não dá notícias. Trata-se da solidão!
Mija é um ser humano singelo, não se entrega, ao contrário, tenta ver beleza em cada detalhe da natureza, é apaixonada por flores e passa o tempo todo tentando descobrir com o é possível escrever um poema...
A relação com o neto se complica quando ela toma conhecimento de que o menino e seus colegas de escola violaram uma menina que suicidou-se na pequena cidade em que vivem. Mija fica muito transtornada com a descoberta e paralelamente com o diagnóstico de sua doença.
Ela é uma mulher sensível, íntegra, que não se conforma com o encaminhamento que os pais dos outros meninos envolvidos dão ao fato: pagar uma indenização para a família da garota morta. Mija se sente confusa, culpada e profundamente triste com atitude do neto, mas não sabe como falar com ele sobre isso...
Solitariamente, Mija continua vivendo num pequeno apartamento com um neto ausente, alheio e uma filha pouco interessada nela e no filho. A poesia continua sendo sua tábua de salvação. Ela aprimora seu olhar, faz anotações e interpretações sobre aquilo que vê... e tristemente segue o caminho...
Ela está preocupada com o destino do seu neto, com o abandono da filha, com sua doença, mas essencialmente, com sua dificuldade em escrever um poema, ela precisa falar o mundo como sente, ela quer saber qual é a fórmula, ela ama os poetas que sabem significar o mundo, que inventam a vida e a beleza com palavras.
É um filme sobre a magia das coisas pequenas que quase não vemos, Mija olha pro mundo para desvendá-lo, precisa da poesia para recriar sua história, compreender e recriar seus caminhos. Ela não podia esquecer as palavras, o mundo só existe porquê falamos o mundo. Mas Mija teve muito medo de não reconhecer mais as flores, as cores e os pássaros e se fosse assim, de que adiantaria continuar a viver?

'Um homem muito estranho' num mundo caótico

O vencedor do Globo de Ouro e do Oscar de melhor filme estrangeiro foi o dinamarquês Em um Mundo Melhor da diretora Susane Bier, uma história sensível que no mínimo faz pensar em alguns aspectos da condição humana, a começar pela questão da violência.

Temos um protagonista angustiado, um médico que atua num campo de refugiados africanos, um pai que tenta a todo custo manter a integridade e acima de tudo a coerência e um homem que tenta salvar sua relação com a esposa, também médica. Trata-se de um filme extremamente humanista, as pessoas estão no centro de tudo, em meio aos conflitos, são responsáveis por tudo que está aí e portanto só elas poderão mudar o rumo da história.
O filme mantém a tensão do começo ao fim, as relações estão todas envoltas numa nuvem de ressentimentos, a animosidade na relação com o estrangeiro, o ciúme na relação amorosa, a impossibilidade de perdoar, a necessidade de vingança, a humilhação do mais fraco e como sempre a eterna questão que torna o mundo tão pior e mais difícil: ‘olho por olho, dente por dente’ e a justiça feita com as próprias mãos.
É isso, que em meio ao caos o homem, o médico e o pai tenta ensinar aos seus filhos, a possibilidade de amar, a qualidade humana presente em cada pessoa, a fragilidade e o desespero presente nas ações cegas e egoístas, é preciso amar apesar da barbárie...para combatê-la, evitar que se estenda e prevaleça na história.
E pensei que plantamos a violência todos os dias, nas pequenas coisas, na atitude brusca no metrô, na resposta ríspida que damos ao desconhecido, na atitude agressiva dirigida ao amigo, fiquei envergonhada por perceber meu mundinho tão pequeno, a crise crescente de valores como a generosidade, o respeito, a solidariedade, a bondade, o perdão, a amizade...
O filme trata das relações na sua essência, da construção de uma ética, da possibilidade de cada um se colocar como responsável e assumir a parte que lhe cabe na construção de um mundo menos injusto e violento.
Achei que o melhor do filme está na relação do médico com seus filhos, aí consiste a esperança, na relação repleta de reflexão e preocupações éticas, sobre como explicar para uma criança que é possível ter atitudes diferentes daquelas que vemos se reproduzir aos borbotões em instituições como a família e a escola, mas ir na contramão de uma lógica destrutiva onde o que prevalece é o ‘cada um por si’.
Diga-se de passagem, manter a coerência num mundo tão caótico não parece mesmo tão fácil... Mas o cinema nos permite essa viagem e assim conhecemos Anton, o médico idealista e sobretudo o homem que tenta contribuir para a construção ainda que extremamente longínqua de um mundo um pouco melhor....
Ao sair do cinema, me perguntei se no meu cotidiano, eu seria capaz de exercer mais frequentemente, atitudes generosas e éticas em relação às pessoas que encontro no caminho, o tempo inteiro, sem esperar nada em troca e... é claro que não sou, acho que não somos...Isso é coisa rara, pra poucos... Coisa de cinema?



 

terça-feira, 1 de março de 2011

Quando eu morrer, o mundo pode se acabar!


Fui assistir o espetáculo Ópera dos Vivos da Cia do Latão. Tenho consciência que o teatro não é minha linguagem artística, aquela que toca fundo o coração. No entanto, é preciso dizer que se há um trabalho teatral que faz a diferença pra mim, é o da Cia do Latão. Os caras são muito bons. Tudo o que a Cia faz é com base em processos de pesquisas profundas, dá pra sentir o envolvimento dos atores no processo.
A apropriação dos personagens pelos atores atribui uma incrível realidade ao texto, quase cinema! Parece haver uma verdade ali, descarada, gritada na cara do público.
No caso desse espetáculo de 3 atos eu realmente me senti tocada, extremamente emocionada em precisamente 4 momentos...que considerei extremamente profundos e que estão intimamente ligados à proposta do espetáculo.
Ou seja, o primeiro ato que discute a questão das Ligas Camponesas que pra mim poderia ser denominado de Emoção, Muita! A questão da injustiça, da desigualdade e do sofrimento humano diante das impossibilidades ou da falta de perspectivas.
A ditadura – Indignação total é outro desses momentos cuja verossimilhança com tudo que houve nesse país a partir dos anos 60 só faz rememorar os horrores de um governo corrupto e irresponsável.
Depois foi só Alegria, Alegria, festa, criatividade e descoberta. E por último a Sociedade do Espetáculo - Tristeza e Desesperança... Apocalipse e final dos tempos em se tratando de teatro.
E foi assim que vivi o espetáculo. Profundamente, porém sem muitas esperanças na vida real, mas de algum modo, o espetáculo reafirmou pra mim a importância da arte. O trabalho do artista que dá o sangue numa produção como essa e que por isso recria a esperança, nos faz mais felizes, nos aponta alguns caminhos, ajuda a construir a crítica possível a esse mundo maluco.
E assim, voltei pra casa mais tranqüila, reflexiva, pensando sobre a importância do teatro como linguagem, minha vida.... as histórias.... E qual é mesmo a função da arte? Melhorar os dia, aliviar as dores, recriar os sonhos, humanizar os homens, tornar o mundo mais bonito!