quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Urbanóides somos nós!

Estive ontem no SESC Consolação para acompanhar uma das programações pensada para envolver um público jovem. Tratava-se de um espetáculo de dança – Urbanóides - com a Cia Discípulos do Ritmo.

Pra falar a verdade não havia prestado muita atenção na Companhia, apenas gostei do nome do espetáculo, mas também não sabia direito o que ia encontrar por lá! A sinopse dizia assim:
“ Uma reflexão sobre a pressão que os grandes centros urbanos exercem sobre as pessoas. Meio homem, meio andróide, o que o transforma em ‘urbanóide’?”
Lá fui eu preocupada, afinal, o eterno dilema: será que teremos público para essa dança? Será? “Jovem não curte ir ao teatro, lugar sisudo, fechado, escuro e ainda ter que ficar sentado durante uma hora...não sei não...”
Ao chegar no local, para meu total espanto, havia grupos de jovens espalhados pela calçada, aguardando a abertura do teatro, muita gente mesmo, gente jovem pra valer, já me animei, fiquei feliz por ver que ia participar de uma experiência cultural apreciada por eles, me senti um pouco mais próxima dessa enigmática parcela da população e finalmente, saí da sala fechada, parei de pensar e fui ver de perto a coisa acontecer.
Nesse momento, eu continuava sem saber o que estava por vir... Então, a porta abriu e fomos todos ocupar nossos respectivos lugares no lindo Teatro Anchieta de tantas histórias, que abrigou inúmeros espetáculos do CPT de Antunes Filho, muitos shows, espetáculos de dança contemporânea e agora este. Foi bem bacana e emocionante ver o público jovem se apropriar do espaço (quase sagrado) muito provavelmente pela primeira vez, enchendo alegremente meia casa!


Terceiro sinal e pronto, começou!


Devo dizer que sempre gostei de street dance, rap, grafite e afins, embora não conheça muitos artistas nessa área, costumava assistir os meninos e meninas dançarem em situações menos formais, nas velhas e boas áreas de convivência dos SESCs, sempre cheias, de um público hipnotizado pela versatilidade e radicalidade dos movimentos tão bem estudados, milimetricamente pensados para deixar todo mundo de boca aberta.
Foi assim que fiquei, do início ao fim... Um espetáculo mágico, feito por gente jovem, com extremo profissionalismo e qualidade estética inquestionável.

É... meu amigo, dança contemporânea sim senhor!


As condições técnicas estavam perfeitas, projeto de luz muito bonito que valorizou extremamente os dançarinos, música envolvente, som perfeito, um figurino ótimo (terno preto e gravatas coloridas) que dialogou completamente com a proposta do espetáculo, que propôs uma leitura sobre o cotidiano massacrante do trabalhador nas grandes metrópoles, a automatização dos procedimentos e da comunicação interpessoal.
O espetáculo é lindo, extremamente competente, os dançarinos esbanjaram movimentos perfeitos e contagiantes, diante dos quais a platéia jovem reagia com gritinhos elogiosos.
Reparei que todos ali conheciam bem o trabalho da Cia Discípulos do Ritmo e principalmente do coreógrafo Frank Ejara, uma figura linda, negro, forte e cabeludo, diversas vezes ovacionado pela galera. Foi bem bonito de ver!


Num determinado momento da apresentação, fiquei pensando que aquilo tudo parecia ter algo a ver com cinema, de algum modo o conjunto me fez pensar que havia naquela dança uma narrativa muito bem estruturada, um ‘algo a dizer’ e até uma estética e um jogo de luz e sombra que inevitavelmente remetia à linguagem cinematográfica.
Dito e feito, ao final, depois de entusiasmadíssimos aplausos, quando já nos me retirávamos do teatro, uma surpresa, a Cia chamou o público para uma conversa. Ótimo, perfeito, lindo... Fiquei curiosa pra ver o que esse pessoal teria a dizer!
Quando perguntado sobre suas inspirações e referências Frank Ejara saiu com essa: “Sou apaixonado por cinema”, então entendi.... Incrível perceber como o coreógrafo realmente conseguiu levar pra cena a questão do roteiro e das narrativas por meio do movimento e da música, ele soube como ‘cortar’ as cenas, criar ambientes e cenários para sua dança.
Uma outra pergunta bacana foi sobre o que fazer pra não deixar tudo meio mecânico e automático. Bom, segundo a Cia é preciso de energia, entregar o corpo ao movimento, colocar a alma no que se faz, curtir o momento, fazer com que seja orgânico sem esquecer que tudo isso depende muito da resposta do público, é preciso fazer sempre como se fosse a primeira vez... lembrando que a possibilidade de errar é o que mantém a coisa viva!


Segundo a Cia o público é o mais importante, porque é ele que dá a medida do quanto vale a pena investir nesse tipo de programação e enfrentar fortemente o preconceito das elites que acham que a dança urbana só deve acontecer em espaços informais, é importante desenvolver um pensamento comunitário que fortaleça a dança como trabalho artístico onde não exista uma hierarquia que defina o que é uma dança maior ou menor.
E finalmente, será que o Frank Ejara tem alguma coisa a dizer para os jovens que estão começando a trilhar esse caminho?

“É importante parar de acreditar que tudo que vem de fora é bom e que qualquer gringo é fera demais e muito melhor que a gente!”
 




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