segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Um filme normal

Tenho um amigo que certa vez perguntou: Não dá pra irmos assistir um filme ‘normal’?
Pensando nisso, resolvi dar espaço aqui pra um filme que considerei ‘bem normal’ e que nem por isso acho ruim . Claro que é sempre bom deixar o preconceito de lado e abrir o coração, entender que cinema também pode ser diversão... E lá fui eu, sem medo de ser feliz, assistir O Turista (Fra/EUA), 2010 do alemão  Florian Henckel von Donnersmarck que dirigiu o ótimo A Vida dos Outros (Alem), 2006 que aliás para o meu amigo aí de cima não seria um filme nada normal...
Pensei que no mínimo seria um deleite apreciar na telona os maravilhosos Johnny Deep e Angelina Jolie, interagindo na espetacular Veneza que por enquanto só posso apreciar nas telas... Acho que só pelo cenário já valeu. O filme é bem feito, leve, divertido ao mesmo tempo em que a trama traz um certo suspense que prende a atenção do espectador. No entanto, não podemos esperar verossimilhança nenhuma, a proposta é explorar ao máximo a figura daquelas espiãs russas e agentes secretas que povoavam os romances policiais que eram produzidos à rodo, adquiridos por nós (os mais velhos) nas bancas de jornais e que alimentavam a imaginação de homens e mulheres com as mais inusitadas aventuras em que a belíssima mulher fatal e sedutora sempre conseguia enrolar o gangster e entrega-lo para a polícia. Posso dizer que me diverti. E afinal, que mal há nisso?

‘Vamos a la praia’

Finalmente depois de muito tempo, retornei a minha querida São Vicente. Tem gente que não entende esse meu amor pela cidade, afinal, as praias não são grande coisa, o mar não é azul, o lugar é tão provinciano que até dói!. Não tem teatro, nem um cinema que se preze. Sei lá, eu gosto mesmo assim, dessa vez fiquei pensando que talvez seja por causa de pessoas como a Ana, que conheci nesse final de semana e que nos atendeu na Barraca do Piu-Piu que freqüentamos há mais de 8 anos na praia do Gonzaguinha.
Bom, a Ana é uma figura incrível. Bem magrinha e serelepe ela correu o dia inteiro pra lá e pra cá, só pra melhor atender ao público ‘refestelado’ nas cadeirinhas de praia e sedentos por uma geladinha.
Ana não se fez de rogada, não entregou os pontos, não se rendeu ao calor de ‘58graus’ que abatia toda a região.
Claro que se tratava de um abatimento prazeroso, pelo menos pra quem estava ali diante do mar, tomando uma brisa, lendo uma revista e batendo um bom papo com o companheiro de todos os dias...
Mas teve uma hora que comecei a ficar constrangida, de tanto ver a garota correr naquela areia quente e escaldante, carregando pelo menos seis latas de cerveja bem geladas de cada vez... Mas enfim, ela parecia feliz ou então interpretava bem, cheia de graça,  energia e algumas piadas a cada vez que vinha trocar nossas latinhas... Devo dizer que Ana tornou nosso final de semana divertido e acolhedor, mesmo embaixo de um sol de rachar o capacete! Acho que é por isso que gosto tanto de São Vicente, gente simples e sorridente, alegres personagens dispostos a sobreviver.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Tetro

O mais recente filme de Francis Ford Coppola está entre os melhores filmes de 2010. O preto e branco, a fotografia esplêndida, o clima noir somados as fortíssimas atuações de Vincent Galo e Maribel Verdú tornam o filme uma surpresa muito agradável, dentre tudo que temos visto nos cinemas ultimamente e até mesmo se considerarmos a cinematografia mais recente de Coppola (Drácula e Poderoso Chefão).
Talvez não esperássemos uma obra como essa, um filme pouco previsível que trata das relações familiares de modo totalmente inusitado, com foco nos pais e filhos ou melhor, nas impressões e memórias dos filhos em relação aos seus pais. Bastante freudiano o que considero uma qualidade a mais pois atribui densidade à história. Além disso, o humor e a ironia presentes do começo ao fim envolvem o espectador na trama. Muito bonita a relação entre Tetro e sua namorada Miranda que está excelente no papel. Ela parece compreender perfeitamente a dor existencial de Tetro e assume uma postura tranqüila e ao mesmo tempo fundamental que oferece um espécie de ‘contenção’ tão necessária para ele. Vincent Galo nasceu para esse papel, sua expressão impressiona por traduzir tão completamente o estado psicológico do personagem. Seria injusto não citar Bennie (Alden Ehreinreich) que também interpreta com delicadeza e eficácia seu papel (a razão de existir do filme).

Além da Vida

O filme Além da Vida de Clint Eastwood aborda o controverso tema da vida após a morte. Parece legítimo propor essa reflexão, seria hipocrisia dizer que nunca pensamos nisso antes... No entanto, é interessante que esse clima tenha acometido o cinema mundial, a começar pelo Brasil com Chico Xavier e afins, passando pelo Tailandês Tio Boonmee e para nossa surpresa, Iñarritu com o seu recente Biutiful e o excelente Javier Barden.

Bom, voltando ao filme de Eastwood e a legitimidade do tema proposto, é quase redundante dizer que o filme é belíssimo, delicado ao mesmo tempo contundente e envolto numa trilha sonora também maravilhosa.

Fiquei pensando, sobre o que motivou Clint Eastwood a fazer esse filme agora, achei que poderia ter relação com o avançado da idade, afinal trata-se de um diretor octogenário, que mantém certa jovialidade e continua em franca produção, dirigindo filmes importantes e belos.

De qualquer modo é impossível não pensar sobre o significado de ter oitenta anos, como viver a proximidade da morte, como lidar com os sonhos e projetos, o que fazer e afinal, o que será de nós sem as pessoas que amamos... e elas sem nós?
O filme fala sobre isso, sobre a importância dos encontros e ao meu ver sobre a importância de viver aqui, agora e intensamente, pois esta é a única certeza que temos, a de estar aqui!

Saí do cinema um pouco melancólica, envolta nas lembranças e com a impressão de que Eastwood fez um filme pra si próprio, e o fez bem feito, sobriamente, sem apelos, como é a marca da sua cinematografia.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Lixo Extraordinário

O documentário "Lixo extraordinário", de Lucy Walker, Karen Harley e João Jardim, apresenta o trabalho do artista plástico Vik Muniz com os catadores do lixão do Jardim Gramacho (RJ). Trata-se de um emocionante retrato da mais dura realidade vivida por seres humanos em condições absolutamente difíceis.
Emocionante, porquê contra todas as adversidades (que não são poucas), as pessoas conseguem se imbuir de uma extrema dignidade, que contagia a todos!
A luta pela sobrevivência, a relação familiar, o trabalho duro do dia a dia, o preconceito ostensivo que tem que ser enfrentado cotidianamente, transforma essas pessoas em seres extremamente fortes e guerreiros.
Mas o interessante, é que o artista plástico reconhecido mundialmente por seu trabalho com materiais recicláveis não parece se render à gravidade da situação com a qual se depara. Ele propõe um olhar para o ser humano diante de nós e não se conforma em apenas aproveitar o que aquela comunidade tem a oferecer.... Vik Muniz vai além, pergunta-se sobre o que ele próprio teria a contribuir com aqueles trabalhadores. Com isso, o filme subverte totalmente a lógica do debate.... Saímos dos estereótipos e passamos a ver a potência presente ali. Saímos do campo das impossibilidades para o campo da criação coletiva...
Além disso,  é bonito de ver a mudança que se opera para cada um, a partir da intervenção do artista. Vemos surgir então e finalmente, os sonhos, as expectativas e crescer a responsabilidade de cada um sobre seu próprio destino, vemos tudo isso acontecer, sob os auspícios da arte, de uma arte aqui transformada e transformadora.
Pra mim, o melhor de tudo é a frase do personagem Tião: "Eu ainda vou comprar meu quadro de volta" referindo-se à obra leiloada - um retrato seu numa banheira como referência ao quadro Death of Marat de Jacques-Louis David (1793).
Nesse momento, o valor econômico foi superado pelo valor emocional que a obra ganhou no processo de sua construção. Assim funcionou para todos os personagens do filme, ao se depararem com seu retrato produzido a partir da dura realidade compartilhada por todos.
Sem dúvida, Lixo Extraordinário levanta muitas questões, nos faz olhar pra dentro de nós mesmos, rever valores, redimensionar o modo como vemos a vida. Lixo Extraordinário existe para nos lembrar de que somos todos humanos!

Um outro olhar

O FOTÓGRAFO
Manuel de Barros

Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Por fim, eu enxerguei a Nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakovski - seu criador.
Fotografei a Nuvem de calça e o poeta.
Ninguém outro poeta no mundo faria roupa mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.